Presidente da COP 16, a mexicana Patricia Espinosa foi elogiada pela transparência com que conduziu os trabalhos (foto: IISD.ca)
Cancún – O último dia (sexta-feira 10/12) de negociações na 16 Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, ocorrida em Cancún (México) começou cheio de incerteza. Nos corredores do Moon Palace e nos jardins as pessoas andavam devagar e centenas estavam no chão verificando e-mails em seus lap-tops enquanto esperavam alguma notícia.
As energias do último dia, após duas semanas de intenso trabalho, eram poucas. Diversas coletivas de imprensa na parte da manhã e início da tarde foram canceladas, enquanto os negociadores estavam discutindo o segundo período de compromisso do Protocolo de Kyoto, o financiamento de longo prazo e como o dinheiro de fato chegaria aos países em desenvolvimento.
Os observadores diziam que nas salas de negociação as coisas mudavam a cada minuto, mas ninguém falava do progresso e até se ouviram rumores de que os negociadores estavam mudando voos porque a discussão poderia durar até sábado.
As posições se aproximaram
O Japão, neste ano, manteve a atenção do público durante toda a cúpula por sua insistência em não se comprometer com um segundo período do Protocolo de Kyoto, cujo primeiro período de compromisso expira em dezembro de 2012.
Enquanto países como Brasil e Índia insistiam na necessidade de não abandonar o Protocolo, Japão, Rússia, Australia e Canadá se recusavam a aceitar novos compromissos, graças à ausência de obrigações para os dois maiores emissores de gases de efeito estufa no mundo, China e Estados Unidos (1o e 2o emissores, respectivamente).
“Cancún terminaria sem consenso como a COP15 de Copenhague?”, todos se perguntavam. Mas não foi assim. Embora compromissos concretos de redução de emissões não tenha sido formalizados, os países relutantes em continuar o Protocolo de Kyoto aceitaram na madrugada de sábado seguir as negociações na COP17, que vai se realizar em Durban, África do Sul em 2011.
Plenária entre aplausos
A plenária do último día começou com aplausos generalizados para Patricia Espinosa, presidente da COP16, por sua liderança em toda a reunião e porque garantiu a transparência durante o processo.
Às nove horas da noite na sexta-feira começou-se a discutir as posições em plenária e horas depois chegou-se ao consenso, apesar do fato de que a Bolívia recusava-se a aceitar. Como os outros 193 países concordaram, a presidente Patricia Espinosa decidiu por de lado as exigências da Bolívia.
O Acordo de Cancún reconhece a lacuna entre as taxas de redução de emissões já prometidas e aquelas que realmente são necessárias segundo as estimativas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). O órgão científico da ONU afirma que países deveriam reduzir entre 25% e 40% o nível global de emissões. Com as ofertas atuais a redução nao chegaria nem a 20%.
Além disso, com o reconhecimento de que os compromissos de redução das emissões tem que aumentar, foi acordado que o aumento da temperatura deve ser mantida abaixo de dois graus Celsius. Na prática, tal afirmação já constava no Acordo de Copenhague. Porém como naquele caso não houve realmente consenso, Cancún conseguiu institucionalizar essa medida.
O Fundo Verde
Desde o início da COP 16 sabia-se que uma das questões mais importantes para negociar era a implementação de fundos de ajuda para os paises em desenvolvimento e alocar mais recursos para a adaptação. O dinheiro destina-se a que os países mais pobres possam preparar-se para os fenómenos climáticos extremos, que já são considerados inevitáveis.
Para Saleemul Huq, membro do grupo de mudança climática do Instituto Internacional para Ambiente e Desenvolvimento (IIED), “o principal resultado neste sentido foi a criação do Fundo Verde do Clima, que vai ajudar aos países em desenvolvimento a se adaptarem aos impactos da mudança climática. Também vai ajudar a criar e as bases dos sistemas que irão proteger as florestas e a transferência de tecnologias limpas para países em desenvolvimento”.
Proteção das florestas
Outra decisão importante em Cancún foi a inclusão do mecanismo de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Floresta (REDD) no texto final. Ele foi aprovado como meio para proteger florestas tropicais. Salvaguas aos direitos dos povos indígenas e a conservação da biodiversidade, uma demanada de diversas organizações não governamentais foram parcialmente aceitas. O Brasil foi um dos países que recusou detalhamento excessivo das medidas de salvaguarda. O acordo de REDD também evita algumas partes críticas, como a escala dos projetos – se nacionais ou regionais – que devem ser definidas e reforçadas ao longo dos próximos meses.
“Após três anos de negociações difíceis, temos uma base para o combate ao desmatamento integrados em um acordo sobre o clima que marca um passo importante. Essa é a chave para alcançar a meta recém-acordada de reverter a perda de floresta ao tempo que se garante a governanca e a proteção dos direitos e da biodiversidade”, disse, Rosalind, Reeve, da ONG Global Witness.
“As salvaguadas inclusas nos acordos sobre REDD e do Fundo Verde obriga a os países para garantir o cuidado com estes temas. Nossa tarefa não terminou aqui. É apenas o começo. O desafio agora é nos detalhes, para transformar as obrigações dos países em realidade. Se coletivamente enfrentarmos este desafio temos uma chance de salvar as florestas do mundo para as gerações futuras”, expressou.
Repercussões
Ao final da COP16, especilistas e ativistas de ONGS comentaram os resultados e se mostraram satisfeitos peloconsenso. “Os governos em Cancún escolheram a esperança sobre o medo e deixaram o mundo num caminho difícil, mas agora possível de navegar na direcao de um acordo global para frear as mudanças climáticas perigosas”, declarou Wendel Trío, líder de mudança climática da ONG Greenpeace.
No entanto, ele explicou que “Cancun pode ter salvo o processo, mas ainda não salvou o clima”. “Alguns chamaram o processo de morto, mas os governos têm mostrado que eles podem cooperar e que é possível avançar para alcançar um acordo global”, continuou. “Este ano o mundo experimentou mais consequências das alterações climáticas – calor recorde, calamidades naturais catastróficas, e gelo do mar quase recorde de derretimento no Ártico. É por isso que as negociações do próximo ano, em Durban, África do Sul, devem ser o destino de um acordo forte, não apenas uma outra parada no caminho “, insistiu.
Segundo Trio, “mais teria sido conseguido em Cancun, se não for pela influência negativa dos Estados Unidos, Rússia e Japão. Os dois últimos foram inúteis por suas declarações contra a continuação do Protocolo de Kyoto. Os Esados Unidos chegaram ao México com compromissos fracos para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e, apesar de ser um dos maiore emissores do mundo, enfraqueceram várias áreas importantes do acordo e colocaram um resultado positivo em dúvida “, disse.
Ainda assim, Saleemul Huq, do IIED, diz que “o resultado, sem dúvida, superou as expectativas. A conferência não só resultou em um acordo equilibrado, mas também restaurou a fé no processo multilateral no âmbito da Convenção Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas”, argumentou.
Com a confiança restaurada no processo, a rodada decisiva está marcada para a África do Sul, onde vai se realizar a COP17, em Dezembro de 2011. Ainda faltam metas e compromissos concretos na reduçao de emissões e compromissos legais para torná-las reais. Vamos ver se a África do Sul consegue passar para a história como o país onde as nações se comprometeram a salvar o planeta.
Fonte: O Eco