Nos anos de 1930, onças, tamanduás e as mais variadas espécies vegetais faziam parte da exuberante paisagem da Baixada de Jacarepaguá, na Zona Oeste. Graças à esta aparência selvagem – em comparação com o estágio de urbanização do restante da cidade -, a área delimitada pelos maciços montanhosos da Pedra Branca e da Tijuca chegou a servir de inspiração para o escritor e desenhista Armando Magalhães Corrêa no livro “O Sertão Carioca”, de 1936. Bem mais tarde, na década de 1980, peixes costeiros, como o robalo, ainda podiam ser encontrados nas suas águas. Mas hoje o cenário é outro. Principalmente no que diz respeito aos rios e às lagoas que integram a bacia hidrográfica da região.

Mesmo com a inauguração do emissário submarino, em abril de 2007, o complexo que compreende as lagoas de Jacarepaguá, Marapendi, Camorim, da Tijuca e a Lagoinha das Taxas recebe, de acordo com a Cedae, 3,5 mil litros de dejetos por segundo, sem contar com os 4 milhões de metros cúbicos de lama e lixo acumulados em todo o sistema, que tem área total de 13,24 quilômetros quadrados. O impacto sobre a fauna é grande. Apenas peixes resistentes como a tilápia, que se alimenta de detrito, sobrevivem nessas condições.

O problema no Complexo Lagunar de Jacarepaguá é mencionado por internautas que acessaram o site www.oglobo.com.br/doisgritando e postaram comentários sobre poluição, primeiro tema escolhido para a nossa série de reportagens. O assunto foi selecionado antes mesmo de o ambiente entrar no ar, por ser um dos que mais repercute entre os leitores que enviam fotos e denúncias para o Eu-Repórter, seção de jornalismo participativo do GLOBO. Os próximos tópicos abordados serão escolhidos pelos internautas por meio de enquetes disponíveis no site. Esta semana, os temas que disputarão a preferência do público serão corrupção e escola sem professor.

Dois dos maiores empecilhos para a despoluição são o assoreamento e a falta de dragagem nos rios e lagoas.

– A quantidade de entulho e de sedimentos orgânicos provoca obstruções que diminuem a correnteza e dificultam muito a renovação da água – explica Vera Chevalier, presidente da ONG Ecomarapendi.

O caso mais grave é o da Lagoa da Tijuca que, por fazer a ligação com o mar, concentra toda a sujeira carregada pelos outros rios e lagoas do conjunto. Nos períodos de estiagem, a situação se agrava ainda mais.

– Quando a maré fica baixa, 80% do espelho d’água transformam-se em ilhas de lodo, lama e lixo, provocando mau cheiro – contabiliza o biólogo Mário Moscatelli.

A sujeira tem origem na ocupação desordenada, feita sem nenhum planejamento sanitário, e às custas do desmatamento das matas ciliares, que retêm os sedimentos arrastados pela chuva em direção aos rios. Atualmente, de acordo com a Cedae, apenas 40% do esgoto produzido na área recebe tratamento adequado. O quadro tende a piorar com o crescimento indiscriminado das favelas às margens dos corpos d’água. Moradora do Condomínio Vila Panamericana, na Barra, a leitora Samantha Brito enviou para o Eu-Repórter fotos que denunciam o avanço da Favela do Canal do Anil para a beira da Lagoa do Camorim.

– Os barracos chegam até a margem da lagoa. Existem animais soltos no local e os moradores usam canoas para entrar e sair – descreve.

Mas não são apenas as comunidades pobres que ajudam a poluir as águas do complexo. Em maio, o condomínio Pedra de Itaúna, na Barra, foi multado pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea) em R$ 30 mil por ter descumprido o prazo estabelecido para a reinstalação dos equipamentos danificados de sua estação de tratamento. Segundo os fiscais do Inea, o esgoto tratado inadequadamente estava sendo despejado na Lagoa de Marapendi.

O ambiente poluído, rico em nitrogênio e fósforo, provoca a reprodução desenfreada das gigogas, plantas flutuantes que, quando cobrem o espelho d’água, causam danos ambientais e prejudicam a vida aquática. Também ajuda na proliferação de cianobactérias, organismos unicelulares capazes de produzir uma toxina que ataca o fígado e o sistema nervoso central, podendo levar à morte por envenenamento. A explosão demográfica desses micro-organismos, somada com a multiplicação das gigogas e o esgoto, deixa a água tingida com um tom verde abacate.

– Os poucos peixes encontrados hoje estão contaminados – observa Moscatelli.

Apesar de o cenário estar longe do ideal, alguns avanços foram feitos com as inaugurações do emissário submarino e da Estação de Tratamento de Esgotos da Barra, em junho. Paralelamente, a rede de coleta está sendo ampliada, com as obras já iniciadas na sub-bacia da Lagoa da Tijuca, no Recreio dos Bandeirantes e, mais recentemente, na Estação Elevatória de Esgotos Curicica, responsável por bombear o esgoto até a estação de tratamento. As reformas no sistema de coleta estão sendo feitas com recursos do Fundo Estadual do Conservação Ambiental, gerido pela Secretaria Estadual do Ambiente. De acordo com o presidente da Cedae, Wagner Victer, 1,6 mil litros de esgoto tratado chegam a cada segundo ao emissário submarino atualmente.

– Este número subirá para 2,8 mil litros por segundo quando o emissário estiver operando com a sua capacidade máxima, o que deve acontecer até 2016 – anuncia Wagner.

A secretária estadual do Ambiente, Marilene Ramos, também está otimista.

– Com essas três obras concluídas, já haverá uma melhoria significativa na qualidade das águas do sistema lagunar – considera

Desativada depois dos Jogos Pan-Americanos, em 2007, a Unidade de Tratamento do Rio Arroio Fundo, que percorre Jacarepaguá, deve voltar a funcionar em maio de 2010, de acordo com os cálculos do secretário municipal de Obras, Luiz Antonio Guaraná. As obras foram retomadas em julho. Com a UTR operando normalmente, o esgoto será tratado com produtos químicos como o policloreto de alumínio, que permite a coagulação das partículas sólidas, separando o lodo da água limpa

– O ideal seria que o esgoto in natura não fosse despejado na rede de água pluvial. Mas não resta dúvida de que esta unidade de tratamento é fundamental para diminuir o impacto ambiental e devolver a vida para a bacia hidrográfica – defende o secretário.

Fonte: Jornal O Globo.

2 thoughts on “Lagoas da Zona Oeste ainda sofrem com lixo e esgoto

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