Dos 168 escritórios do Ibama há anos, 91 foram fechados, dizem agentes.
Governo federal diz que autoridades locais têm competência para fiscalizar.
Ivo Lubrinna vem extraindo ouro há mais de 30 anos da floresta amazônica em Itaituba, no Pará. É u
ma atividade notoriamente suja, já que as equipes removem uma camada de solo da mata, ao longo de margens de rio, e usam mercúrio para retirar o metal precioso da lama.
Nos últimos anos, Lubrinna passou a ter um segundo emprego: secretário de Meio Ambiente do município, que é porta de entrada para o mais antigo parque nacional e seis reservas naturais na floresta. Por isso, é seu trabalho proteger a área da depredação de madeireiros, caçadores, posseiros e garimpeiros. De manhã, o secretário atua no poder público. À tarde, é garimpeiro. “Tenho de ser bonzinho de manhã”, diz Lubrinna, de 64 anos, corpulento e calvo. “À tarde, eu preciso me defender.”
Até recentemente, o evidente conflito de interesses não teria importância nesta área livre do controle do poder estatal, palco de confrontos violentos por disputa de terra e recursos. Era tarefa do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais) policiar a Amazônia do melhor jeito que pudesse.
Mas em dezembro de 2011, a presidente Dilma Rousseff sancionou uma lei que dá aos estados e Prefeituras autoridade ambiental sobre terras que não foram licenciadas pela União. A medida retira poderes do Ibama. Dos 168 escritórios regionais que o órgão possuía há alguns anos, 91 foram fechados, dizem funcionários da agência.
Para o governo federal, as autoridades locais estão mais bem posicionadas para garantir que madeireiros e outros que extraem recursos da floresta façam isso com as licenças apropriadas em áreas onde é permitido.
Poucas multas
Lubrinna afirma que agentes do Ibama costumavam multá-lo e a outros mineiros por violações da lei. Agora, ele lidera uma equipe que inspeciona áreas de mineração. Até o momento, diz ele, poucas multas foram aplicadas.
A transferência da inspeção para o controle local é uma das mudanças adotadas na gestão de Dilma, as quais, em conjunto, constituem um recuo na política ambientalista do governo federal adotada por quase 20 anos. Foram revertidas normas antigas que haviam contido o desmatamento e protegido milhões de quilômetros quadrados de bacias hidrográficas.
Por exemplo, uma medida provisória aprovada por Dilma encolheu ou redefiniu os limites de sete áreas de preservação ambiental, abriu caminho para a construção de barragens de usinas hidrelétricas e projetos de infraestrutura, e também permitiu a legalização da posse de terra por fazendeiros e garimpeiros.
A presidente também reduziu o ritmo do processo, ininterrupto durante os três governos anteriores, de preservar terras para parques nacionais, reservas de vida selvagem e outras unidades de conservação.
Desenvolvimento econômico
O governo federal quer incentivar o desenvolvimento econômico na região de floresta. A União pretende erguer 21 barragens na Amazônia em 2012, ao custo de R$ 96 bilhões. O investimento foi planejado quando Dilma ainda trabalhava como ministra no governo anterior, de Lula.
As barragens são necessárias, de acordo com a presidente, para suprir a demanda de energia dos consumidores, que aumentam cada vez mais no Brasil. O país ainda tem 60 milhões de pessoas vivendo na pobreza, segundo ela declarou, em entrevistas anteriores. “Tenho de explicar para as pessoas como é que elas vão comer, como é que elas vão ter acesso à água e como é que elas vão ter acesso à energia”, ressaltou a presidente num discurso em abril.
Ambientalistas questionam os investimentos. As políticas do governo, dizem eles, colocam em risco a maior floresta tropical do mundo, reserva de um oitavo da água doce do planeta, além de dezenas de milhares de indígenas nativos na região e várias espécies animais e vegetais.
O ganho econômico no curto prazo, segundo críticos de Dilma, não vale o custo potencial de longo prazo para o ambiente do planeta. “Este é um governo disposto a sacrificar os recursos de milhares de anos pelo lucro de algumas décadas”, disse a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva.
Conflitos
A exploração da Amazônia já tem focos de conflito. O mais conhecido é a usina de Belo Monte, um projeto de R$ 26 bilhões para construir a terceira maior barragem do mundo no rio Xingu. Objeto de ações na Justiça e oposição de celebridades internacionais, como o cineasta James Cameron, Belo Monte deve deslocar milhares de indígenas de suas terras.
No Acre, o estado mais a oeste no Brasil, a retirada de agentes do Ibama abriu as portas para investidas e disputas entre madeireiros e traficantes de drogas provenientes do Peru, ameaçando o parque da Serra do Divisor, criado uma década atrás.
No Maranhão, fazendeiros, madeireiros e a população com frequência entram em confronto no entorno da reserva biológica do Gurupi. Lá, a extração ilegal de madeira afetou cerca de 70% da floresta da reserva, processo que os cientistas dizem estar acelerando a expansão do semi-árido no Nordeste.
As políticas do governo federal também foram prejudiciais no Parque Nacional da Amazônia, uma porção de floresta do tamanho da Jamaica na margem oeste do Rio Tapajós. Criado em 1974 pela ditadura militar, o parque foi o primeiro na região da floresta.
Em 2006, o governo federal criou uma zona-tampão de seis reservas em terras próximas, uma área mais de seis vezes o tamanho do parque, na qual a atividade poderia ser regulada. Já no início de 2010, rumores começaram a circular de que uma barragem seria construída dentro da reserva, no rio Tapajós.
Agentes do parque encontraram e multaram funcionários de uma companhia estatal de eletricidade realizado uma pesquisa não-autorizada na área, alguns meses depois dos boatos. A chefe do Parque Nacional da Amazônia, Maria Lucia Carvalho, deu declarações contra o projeto para a imprensa, na época, e foi chamada a dar explicações pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes e Conservação da Biodiversidade), órgão que administra unidades de conservação no país.
“Me disseram que este é um plano do governo e que eu sou governo e, portanto, eu não poderia criticar o projeto”, disse ela. O ICMBio não quis fazer comentários sobre o encontro.
Fonte: G1 – Natureza