Durante três dias, especialistas em SST, trabalhadores e empregadores do setor portuário e aquaviário, auditores fiscais e procuradores do Trabalho, representantes da Marinha, entre outros, reuniram-se em Recife/PE para o V Congresso Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho Portuário e Aquaviário. No total, foram 900 participantes de 20 estados do Brasil. A riqueza dos debates e a intensa participação do público fez com que, antes mesmo do fim dessa edição, duas cidades manifestassem interesse em abrigar o VI Congresso: Fortaleza/CE, por meio do Ministério Público do Trabalho – MPT, e Manaus/AM, através do Departamento de Turismo do Amazonas.

Esse resultado só foi alcançado pelas parcerias locais, viabilizadas pelo Centro Regional da Fundacentro em Pernambuco, pelas ações da Comissão Técnica, coordenada pelo tecnologista e chefe da área técnica do CRPE, Luiz Antonio de Melo, e o apoio da Comissão Executiva, coordenada pelo diretor técnico Robson Spinelli, de caráter tripartite, com representantes do Governo, Empregadores e Trabalhadores. “Nós tivemos que dar as mãos. Sozinha, a Fundacentro não realizaria”, avaliou Maurício Viana, chefe da unidade e coordenador geral do evento. O trabalho dos servidores José Hélio Lopes Batista, Marcelo Vasconcelos e Roberto Dantas também foi fundamental para os resultados alcançados.

“O conjunto de trabalhadores nos atendeu e está aqui presente para debater os assuntos que são muito importantes. Os congressos foram importantes para a diminuição dos acidentes do trabalho e para a aplicação da NR 29. Mas apesar de todo trabalho realizado ainda ocorrem mortes”, avaliou o presidente da Federação Nacional dos Estivadores, José Adilson Pereira, na mesa de abertura.

O evento contou com 4 conferências. Na abertura, o tecnologista da Fundacentro (Centro Estadual do Espírito Santo), Antonio Carlos Garcia Junior, abordou questões emergentes sobre a segurança e saúde no trabalho portuário. Já o procurador do Trabalho da 2ª Região/SP, Augusto Meirinho, apresentou os aspectos mais relevantes da SST no setor aquaviário.

Segundo Antonio Carlos, a operação com contêineres abrange a maior ocorrência de acidentes na área portuária. É importante olhar para os riscos ambientais e para os ergonômicos. “É um trabalho que tem um custo humano muito grande”, explica. Para cada tipo de carga a ser movimentada, por exemplo, deve haver um protocolo de segurança feito pelo Serviço Especializado em Segurança e Saúde do Trabalhador Portuário – Sesstp, instituído pela NR 29, e pelos trabalhadores.

O tecnologista da Fundacentro recomenda que se faça a Análise Ergonômica do Trabalho – AET de todas as tarefas, observando-se as condições diferenciadas de trabalho. Todo porto deveria ter um Plano de Controle de Emergência – PCE e um Plano de Ajuda Mútua – PAM, que atua quando o PCE de uma empresa não consegue com seus recursos realizar o controle da emergência. Também é importante avaliar o risco e fazer o efetivo controle das fontes e da exposição dos trabalhadores.

“Na maioria das vezes, infelizmente, combatemos os riscos para minimizar seus efeitos. Há também os riscos invisíveis, geralmente são os ergonômicos e os ambientais”, afirma o tecnologista da Fundacentro.

“Um trabalho de gestão dos riscos bem feito com a participação de todos os atores envolvidos gerará uma cultura de Segurança e Saúde no Trabalho, que irá garantir não só o bem estar dos trabalhadores, mas também a produtividade e a a continuidade da atividade econômica das empresas”, completa.

Já o procurador Augusto Meirinho, coordenador da Coordenadoria Nacional do Trabalho Portuário e Aquaviário do Ministério Público do Trabalho – MPT, destacou a necessidade de um olhar especial para esses setores. Algumas características desse tipo de trabalho podem ser: confinamento por longos períodos, isolamento do convívio familiar e social, convívio entre diferentes equipes durante os períodos de embarque, variações climáticas, trepidações e ruídos da propulsão do navio, períodos de descansos fluídos devido à necessidade de estado de prontidão.

As outras duas conferências ocorreram no encerramento. O diretor técnico da Fundacentro, Robson Spinelli, traçou um panorama da SST com a temática: Estado da Arte da Segurança e Saúde do Trabalhador no Brasil. Já o consultor técnico da Coordenação-geral de Saúde do Trabalhador, da Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde, José Maria Viana dos Santos, apresentou “A saúde do trabalhador portuário e aquaviário na atual conformação do mercado de trabalho brasileiro: desafios e perspectivas”.

Além das 4 conferências, durante os três dias do V Congresso Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho Portuário e Aquaviário, foram realizadas 16 palestras, com diferentes especialistas, e a apresentação de 26 trabalhos orais. Os servidores da Fundacentro Antonio Carlos Garcia Junior, de Espírito Santo, e Daniel Pires Bitencourt, de Santa Catarina, apresentaram os temas – “Depleção de oxigênio e formação de gases tóxicos em porões que transportam madeira” e “Exposição ocupacional ao calor em oito cidades portuárias do Brasil”, respectivamente – em 12 de junho. No dia 13, o técnico Gerikson Beserra Nunes mostrou o “Estudo sobre novas tendências no setor de transportes: impactos e perspectivas no trabalho no setor hidroviário e ferroviário”.

No final do evento, a médica do trabalho, Jandira Dantas, de 87 anos, foi homenageada. Vivendo em Pernambuco há 84 anos, ela trabalhou no Centro Regional da Fundacentro em Pernambuco, além de ter atuado como auditora fiscal do Trabalho e no Serviço Social da Indústria – Sesi. Também doou recentemente seu acervo de 2.300 livros para Fundacentro/PE.

“Importante tecermos o saber. Minha maior dificuldade quando era pequena foi estudar. Não tinha dinheiro para comprar livro. Só quero que vocês levem uma mensagem: estudem. E que felicidade Jandira pequenina teve. Instalou o primeiro curso de segurança do trabalho em Pernambuco em 1975. Eu só queria poder abraçá-los, todos de uma vez e sentir o que queremos e precisamos – educação e saber”, afirmou a médica Jandira Dantas.

Trabalhador envolvido

Ainda no primeiro dia do evento, em 11 de junho, foram realizadas três mesas. O engenheio de segurança do Ogmo Santos, Ricardo Carvalhal, ministrou a palestra “Aplicação da realidade virtual nos treinamentos dos trabalhadores portuários”. O debatedor foi Josué King, da Federação Nacional dos Portuários/DF.

Um dos recursos utilizados no Porto de Santos, apresentado por Carvalhal, é um sistema automático de agendamento de exames médico, que controla a validade do Atestado de Saúde Ocupacional – ASO, e envia alertas ao trabalhador 45 dias antes do vencimento. Também identifica os exames necessários e realiza o agendamento de modo que os resultados fiquem prontos antes do vencimento.

A segunda mesa contou com palestra do presidente da Federação Nacional dos Operadores Portuários/DF – Fenop, Sergio Perucci, que falou sobre a importância da capacitação e qualificação dos trabalhadores portuários. O debate foi mediado pelo presidente da Federação Nacional dos Conferentes e Consertadores de Carga e Descarga, Vigias Portuários, Trabalhadores de Bloco, Arrumadores e Amarradores de Navios nas Atividades Portuárias/DF, Mario Teixeira.

A Lei 12.815/13 estabelece que o Ogmo é o responsável pelo treinamento e habilitação do trabalhador portuário, seja avulso ou vinculado. Também foi apresentado projeto de lei que propõe a criação do Sistema Nacional de Aprendizagem Portuária – Senap e o Sistema Social Portuário – Sesp, e a implantação ficaria a cargo da Fenop. Um dos pontos debatidos foi o de que não se pode pensar em modernizar o porto sem a participação dos trabalhadores.

Por fim, a última mesa do dia trouxe o tema “Gerenciamento de riscos operacionais em terminais de contêineres”, apresentado por Hemerson Braga, presidente do Comitê Técnico Permanente e Segurança , Saúde Ocupacional e Meio Ambiente da Fenop. O debatedor foi Alfredo Guilherme Netto.

Hemerson destacou a importância de se envolver o trabalhador no gerenciamento de riscos. “Se você tratar o trabalhador a distância, não terá a adesão dele”, apontou. “A segurança é um trabalho conjunto”, completou Netto.

Políticas públicas

O segundo dia do evento, 12 de junho, trouxe 7 mesas, além das apresentações de trabalhos orais, que também tinham ocorrido no dia anterior. O auditor fiscal do Trabalho, Cláudio Tarifa, coordenador da então Comissão Permanente Nacional Portuária – CPNP, falou sobre o processo de elaboração da NR 29. Também apresentou as pautas em andamento: declaração de mercadorias perigosas, ancoragem em navios e trabalho em altura, espaço confinado em navios, amarração de navios, guindastes de bordo, cabos de aço e acessórios.

Já os servidores da Fundacentro – a tecnologista Doracy Moraes (Centro Estadual do Pará) e o pesquisador Álvaro Ruas (Escritório Regional de Campinas) – apresentaram o tema “Acidentes por Escalpelamento: enfrentamento e superação de um drama social nos rios da Amazônia”.

Ruas falou sobre o projeto desenvolvido pela Fundacntro para desenvolver a proteção do volante e do eixo cardã dos motores das embarcações, que utilizou a fibra de vidro e foi distribuída para órgãos interessados.

Já Doracy faz parte da Comissão Estadual de Enfrentamento aos Acidentes com Escalpelamento no Pará. A Fundacentro participa das principais atividades desenvolvidas sobre o tema no estado, como campanhas em portos para a prevenção de acidentes, que ocorrem em municípios como Anajás, Bagre, Gurupá e Breves.

“Antes achávamos que bastava cobrir o eixo, mas o grande desafio é alcançar as pessoas agarapés a dentro. São municípios com índices de Desenvolvimento Humano baixos, famílias extensas. A criança é demandada para retirar a água, para que a embarcação não naufrague. As embarcações são meios de transporte para a vida. As construções feitas artesanalmente. Os eixos são encomendaos em oficinas próximas aos portos e que não possuem a proteção de eixo. Se a proteção fosse oferecida nessas oficinas, o acesso seria mais fácil”, analisou a tecnologista da Fundacentro.

Outro importante tema discutido foi a “Proteção do meio ambiente no transporte aquaviário – planos de emergência integrados”, apresentado pela especialista da Gerência de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Agência Nacional de Transportes Aquaviários/DF, Maria Luiza Gusmão.

Maria Luiza explicou que para minimizar as consequências dos vazamento de petróleo e derivados ao meio ambiente e saúde e segurança dos trabalhadores, os planos das instalações precisam estar aprovados e dialogar entre si. “A prática de simulados envolvendo combate a emergências ambientais devem incorporar as situações de resgate de trabalhadores acidentados no combate a incêndios, controle de derrames de produtos perigosos e retirada e disposição final de resíduos”, completou.

“É importante investir na prevenção, na preparação e na resposta rápida, com equipes capacitadas e bem treinadas, dispondo de equipamentos e materiais apropriados tanto para conter e recolher as manchas de óleo, combater incêndios e outros acidentes, como garantir a saúde e segurança das diversas categorias de trabalhadores envolvidos em um cenário de emergência”, finalizou a especialista.

Já o capitão de Mar e Guerra, Mauro de Araújo, e o capitão de fragata, Álvaro de Carvalho, apresentaram “A contribuição normativa da marinha do Brasil para a segurança e saúde no trabalho aquaviário. Eles apresentaram as principais convenções internacionais (Safety of Life at Sea – Solas, Standards of Training, Certification and Watchkeeping for Seafarers – STCW e Prevention of Pollution from Ships – Marpol) e a legislação nacional, como a Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário – Lesta.

Essa lei discrimina as atribuições e as medidas administrativas que podem ser adotadas pela Autoridade Marítima, que deve assegurar a salvaguarda da vida humana, a segurança da navegação e a prevenção da poluição ambiental por embasracações, plataformas ou suas instalações de apoio.

A ação do Ministério Público do Trabalho também foi apresentada pelo procurador Maurício Coentro de Melo, da 1ª Região/RJ, que apresentou a palestra “A Convenção Marítima do Trabalho (MLC 2006) e o Trabalho em Navios de Cruzeiros: Perspectiva do Meio Ambiente de Trabalho”.

“Apesar da MLC não ter sido ratificada, defendemos que é a melhor a ser observada, por ser a mesma norma para toda tripulação e evitar a discriminação de trabalhadores”, explicou o procurador. “O MPT entende que a MLC 2006 é a norma viável, mas a questão não está pacificada pelo TST”, completou.

O segundo dia do V Congresso ainda contou com palestras de Luiz Alves Netto, diretor da Federação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Aquaviários e Afins/RJ, sobre segurança nas hidrovias, e de João Gilberto Campos, presidente do Incatep (Santos/SP), que tratou da uniformização e atualização das cargas perigosas.

Momentos finais

O último dia do V Congresso, em 13 de junho, trouxe mais seis palestras, além dos trabalhos orais e as já citadas conferências de encerramento. O auditor fiscal do Trabalho, do Rio de Janeiro/RJ, Mauro Costa Cavalcante Filho, apresentou a temática: “A atuação da auditoria fiscal do Trabalho na fiscalização do trabalho portuário e aquaviário – a Comissão Permanente Nacional Aquaviária e a aplicabilidade da NR 30”.

Cavalcante Filho explicou como se dava a atuação da CPNAq, de forma harmoniosa e técnica, buscando efetivamente condições mais seguras. Outro auditor fiscal do Trabalho (SC) a participar do evento como palestrante foi Brunno Manfrin Dallossi, que falou sobre os acidentes do trabalho no setor pesqueiro.

O advogado do Sindicato dos Estivadores nos Portos do Estado de Pernambuco, Jonhnathas Santiago, por sua vez, abordou os aspectos legais referentes à aposentadoria especial dos trabalhadores portuários. Já o coordenador geral do Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense, Tezeu Bezerra, falou sobre a saúde e segurança entre trabalhadores nas plataformas de petróleo, ressaltando o direito de recusa em determinadas situações de risco.

As condições de trabalho nas atividades da pesca e mergulho foram apresentadas pelo procurador do Trabalho da 7ª Região/CE, Nicodemos Maia, e pelo professor dos Cursos de Pesca e Construção Naval do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará, João Vicente Mendes Santana.

Maia destacou que o Brasil tem 8,5 mil km de mar e é o 19° país em produção de pescado. “Os pequenos pescadores acabam trabalhando não para si, mas para os grandes produtores”, refletiu. Eles são segurados especiais porque ficam 6 meses parados, quando não podem pescar. Segundo a Organização Internacional do Trabalho – OIT, o mundo tem 58 milhões de pescadores, e a pesca é uma atividade árdua e perigosa, repleta de numerosos riscos.

Os momentos finais ainda trouxeram uma palestra sobre organização do trabalho e sofrimento psíquico, que despertou bastante interesse dos participantes. O tema foi abordado pela professora com pós-doutorado em Ciências Sociais, Petilda Serva Vazquez. A categoria trabalho foi apresentada como prazer, mas também como espaço de loucura. O trabalho capitalista, para a historiadora, está relacionado com a pulsão de morte e em tensão com a pulsão de vida.

Há um mundo de subjetividade, que é o mundo invisível, presente no trabalho. “A violência no trabalho, por exemplo, não é só o assédio moral, que é o campo visível. Mas elementos de dores e singularidades que são invisíveis”, explicou Petilda. Para ela, o assédio moral é uma violência programada como gestão de pessoas e faz parte da realidade organizativa. Uma prática que atinge a subjetividade e seus aspectos, pega a alma.

Vive-se a ideologia da competência num cenário de capitalismo flexível, em que a competência está atrelada ao que o trabalhador pode suportar. O sofrimento psíquico ocorre, mas é negado a si mesmo. Há um sequestro do outro, que tem sua essência capturada. Negam-se os riscos para suportar o sofrimento. “Você se cobra dos erros do seu cansaço. Você cobra de seus colegas a eficiência”, alertou. É a cultura da excelência, em que o sujeito cobra a si próprio.

“Uma pessoa com transtorno psíquico não consegue criar uma narrativa porque está desestruturada. Ouvindo um trabalhador por 6 meses com escuta psicanalítica consegui dizer onde aquele sujeito foi quebrado”, exemplificou. “Nós somos seres históricos e culturais, não somos apenas biológicos. A angustia é um sentimento bom, porque esse vazio é criativo e você tem que se responsabilizar por suas dores. O sujeito que viveu a dor tem que ser ouvido”, completou.

As conferências finais, de Robson Spinelli, da Fundacentro, e de José dos Santos, do Ministério da Saúde, tiveram a coordenação do presidente do Complexo Portuário de Suape, Leonardo Monteiro. Para Monteiro, “a realização do Congresso é muito importante principalmente num momento em que se discute a flexibilização da normatização trabalhista”.

O presidente do Complexo Portuário de Suape ainda falou sobre a importância da Segurança e Saúde no Trabalho se consolidar nas empresas. “O gestor tem que se colocar numa posição de que qualquer problema que aconteça, ele tenha a responsabilidade do processo. Ainda que eventualmente ocorra um acidente, cabe ao gestor olhar como pode evitar esse tipo de falha”, finalizou Leonardo Monteiro.

 

Fonte: Fundacentro

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