Testes experimentais e estudo no ambiente de trabalho permitiram avaliar efetividade de EPIs contra ataques de serpentes e conforto em campo.

A proteção dos trabalhadores durante o cultivo do abacaxi contra ataques de serpentes peçonhentas foi tema da pesquisa de doutorado da tecnologista da Fundacentro, Maria Cristina Gonzaga, defendida na Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. A engenheira agrônoma avaliou a efetividade do uso de um conjunto de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) nas atividades laborais desses profissionais.

Para tanto, luvas, botas, mangotes e perneiras foram avaliadas em testes experimentais com ataques reais de serpentes pela Funed (Fundação Ezequiel Dias), de Minas Gerais. Os EPIs aprovados foram testados em campo por trabalhadores de Frutal/MG. A pesquisadora também analisou o processo produtivo de abacaxi nesse município, destacando as diferenças observadas em estudos anteriores realizados em Guaraçaí/SP. Por fim, propôs um conjunto de EPIs adequados conforme os fatores de riscos identificados.

Os trabalhos anteriores realizados em Guaraçaí e as precariedades observadas motivaram a realização da tese. Nesses estudos, a pesquisadora encontrou a aplicação mecanizada de agentes químicos realizada em trator aberto sem proteção, adubação manual, colheita na chuva, presença de serpentes peçonhentas e manuseio de duas toneladas de abacaxi por dia.

Os acidentes com serpentes peçonhentas predominam na estação chuvosa e quente, e as partes mais atingidas são os pés e as pernas. Dados internacionais apontam a ocorrência de 421 mil envenenamentos e 20 mil mortes por serpente no mundo. “Mas, devido à subnotificação, os números reais podem chegar a 1,8 milhão de envenenamentos e 94 mil mortes”, alerta Cristina Gonzaga.

Novos resultados

Para realizar os testes com ataques reais de serpente, foram utilizados dois arranjos experimentais. Um manequim em fibra de vidro com EPIs nos pés, mãos, pernas e braços. Outro com balões inflados dentro dos EPIs. Os arranjos experimentais foram colocados a 30 cm de distância da serpente para estimular o bote. Quatro serpentes fêmeas participaram dos testes – duas cascáveis e duas jaracuçus.

Apenas cinco dos 11 modelos de EPIs avaliados resistiram a todos os ataques. A jaracuçu perfurou seis modelos, e a cascavel dois. Os resultados dos ensaios foram similares nas 12 repetições executadas. Os EPIs que passaram nos testes foram utilizados por trabalhadores em atividades como colher, podar, adubar e transportar mudas de abacaxi.

A luva foi considerada confortável, mas não resiste às perfurações por folhas de abacaxi. Eles avaliaram o tamanho da perneira como inadequado, por chegar somente até o joelho. No entanto, resiste à perfuração por folhas e protege contra serpentes pequenas. Os trabalhadores consideraram que a bota em couro não prejudica os movimentos dos pés, não machuca, não provoca coceira, é macia, não atrapalha o trabalho, mas esquenta os pés.

Em sua pesquisa, a engenheira agrônoma concluiu que os trabalhadores do cultivo do abacaxi estão expostos a riscos físicos, químicos e acidentários. Enquanto o trabalho é manual em Guaraçaí/SP, em Frutal/MG, é semimecanizado. “Em Frutal, o transporte de carga é facilitado com carrinho de metal. Em Guaraçaí, não tinha isso. O mesmo ocorre com adubação e desponte de folhas a partir de moto e máquina adaptada para facilitar o trabalho”, relata.

Em relação à resistência aos ataques de serpentes peçonhentas, a pesquisadora ressalta que elástico e costuras não resistiram às perfurações nos testes realizados. “No Brasil, as normas de fabricação de EPI para riscos mecânicos não contemplam aspectos que garantam a proteção efetiva contra ataques de serpentes peçonhentas”, alerta Cristina Gonzaga. Isso porque não existe nenhum ensaio em que esteja previsto avaliar a resistência ao ataque de serpente.

“Levamos os EPIs no tamanho de acordo com o trabalhador. Um modelo de luva, dois modelos de perneira e a bota em couro foram considerados confortáveis e não atrapalharam o trabalho”, conclui a pesquisadora.

Defesa

A pesquisa de doutorado em Engenharia Agrícola realizada pela tecnologista da Fundacentro teve orientação do professor da Unicamp, Roberto Funes Abrahão. Livre Docente em Ergonomia, ele foi professor visitante da Universidade da Califórnia.

Participaram da banca de defesa, em 31 de outubro, a doutora em Saúde Pública pela USP e ergonomista do Sesi, Flora Vezza; a professora da Faculdade de Ciências Aplicadas, da Unicamp-Limeira, Sandra Gemma; o doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Paulo Adissi; e o pesquisador da Fundacentro e doutor em Ergonomie pela Conservatoire National des Arts et Métiers, da França, José Marçal Jackson Filho.

“Você tem uma tese excelente. A contribuição é um método de avaliação de EPI para ataques de serpente. Todo o resto foi feito para que isso ocorresse”, avaliou Paulo Adissi. “Somente os testes com o EPI já seriam uma tese. O diferencial é que você mostra o real do trabalho”, completou Sandra Gemma.

“Nossa maior contribuição foi desconstruir a questão do ato inseguro e o EPI como a solução para os problemas. A nossa geração trabalhou, sobretudo, nisso. Os EPIs são um tabu na segurança do trabalho. São um problema ou a solução? A falsa sensação de proteção faz você utilizar e achar que é seguro, mas isso é mais perigoso. Você assumiu os EPIs como objeto de estudo”, afirmou Marçal Jackson, ao destacar a importância da pesquisa realizada.

 

Fonte: Fundacentro

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