São Paulo/SP – Uma operação conjunta de Auditores-Fiscais das Superintendências Regionais do Trabalho de São Paulo e do Rio de Janeiro, em parceria com a Receita Federal, flagrou trabalho escravo em três oficinas de costura que produziam roupas para a Animale e A.Brand, marcas do grupo Soma. A fiscalização das oficinas ocorreu em setembro deste ano, em São Paulo, mas somente agora foi divulgada.

Os costureiros, imigrantes bolivianos subcontratados, trabalhavam mais de 12 horas por dia no mesmo local onde dormiam, dividindo o espaço com insetos e instalações elétricas precárias, que ofereciam risco de incêndio. Os costureiros não ganhavam salário mensal. Eram remunerados por peça costurada, recebendo em média R$ 5,00 para costurar peças de roupa vendidas por até R$ 698,00 em lojas da Animale.

Com as duas grifes, o Brasil contabiliza 37 marcas de roupas responsabilizadas por exploração de mão de obra análoga à de escravo nos últimos oito anos.

Os Auditores-Fiscais constataram trabalho análogo ao escravo devido às jornadas exaustivas e às condições degradantes – elementos que caracterizam o crime, segundo o Código Penal. Em todas as oficinas os costureiros faziam jornadas acima dos limites legais. Em uma delas, os imigrantes costuravam das 7 às 21 horas, com apenas uma hora de descanso.

As longas jornadas eram resultado do sistema de remuneração por produção somado a padrões de costura extremamente detalhados para cada lote de peças, todos estabelecidos pela empresa. As máquinas de costura ficavam ao lado das camas dos trabalhadores, o que estimulava ainda mais as longas jornadas e aumentava o risco doenças e acidentes de trabalho.

Crianças, risco de incêndio e acidentes
As oficinas eram pequenas e improvisadas, com mesas e bancos escolares. Em uma delas, não havia uma janela por onde o ar pudesse entrar. O pouco espaço restante do chão era usado para guardar pilhas de roupas que encostavam em fios aparentes, com evidente risco de incêndio a qualquer momento. O perigo era potencializado por botijões de gás e falta de extintor de incêndio. Além disso, não havia água potável em nenhuma das oficinas.

Cinco crianças moravam nos locais. Quando não estavam na escola, elas andavam e brincavam entre as máquinas e as pilhas de tecido. A presença das crianças aumentava a chance de acidentes entre os trabalhadores, pois a atenção exigida por elas “compete diretamente com a aguda concentração exigida na atividade de costura”, segundo os Auditores-Fiscais.

Essas características fizeram a fiscalização constatar as condições degradantes de trabalho, que “são violações que colocam em risco a saúde e a vida do trabalhador”.

Todos os dez trabalhadores, cinco homens e cinco mulheres, eram bolivianos que chegaram ao Brasil nos últimos cinco anos. Como eles foram explorados em situação de extrema vulnerabilidade, sendo recrutados para isso, também foi constatado o tráfico de pessoas na produção da empresa.

Em nota, o grupo Soma negou ter conhecimento das situações em que se encontravam os trabalhadores e das jornadas de trabalho a que eles eram submetidos. O grupo disse ainda que “lamenta que suas marcas tenham sido associadas aos lamentáveis fatos, informando, por fim, que está colaborando com as autoridades públicas nas investigações e que vem tornando ainda mais rigorosa a fiscalização de sua cadeia produtiva”.

O Auditor-Fiscal Luís Alexandre de Faria não acredita que ser possível nem aceitável que a empresa não soubesse da situação naqueles locais, pois determinava os detalhes da produção e os prazos de entrega das peças que eram costuradas nas oficinas. “Eles não podem não saber a condição em que o principal produto da sua atividade econômica é produzido”, diz o Auditor-Fiscal. “Do mesmo jeito que eles têm preocupação com a qualidade, com o valor da marca, eles têm que estar preocupados com o valor do ser humano que produz o produto que vai levar sua marca.”

Equipe
A fiscalização iniciada em setembro e ainda em curso é realizada em equipe por Auditores-Fiscais do Trabalho de São Paulo e do Rio de Janeiro: Douglas Mota, Lívia Ferreira, Luís Alexandre de Faria, Marina Sampaio e Sérgio Aoki (SP); Alexandre Lyra, Roseane Rodrigues e Raul Capparelli (RJ).

A Receita Federal, segundo a Auditora-fiscal do Trabalho Lívia dos Santos Ferreira, coordenadora do projeto de combate ao trabalho na SRT/SP, colaborou no sentido de obter e fornecer informações que permitiram rastrear a cadeia produtiva da marca.

 

Fonte: Revista Proteção

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