São Paulo/SP – Em cinco dias, dois acidentes envolvendo obras em construção, o do Estádio Fielzão, no dia 27 de novembro, quando dois operários morreram após a queda de um guindaste, e o desabamento de um imóvel de cinco andares que estava sendo erguido em Guarulhos, Grande São Paulo, na noite de segunda-feira (2), no qual até o fechamento desta edição um trabalhador estava desaparecido, reforçaram a sensação de que algo não vai bem na construção civil paulista. E, quando analisados os números, a sensação torna-se fato.

De acordo com o Sintracon-SP (Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil de São Paulo), triplicou o número de mortos em acidentes em obras em 2013 em comparação com 2012, na capital. Até agora, 21 pessoas morreram, contra sete em 2012 inteiro. Apesar de os dados serem da capital, segundo o Sintracon os números refletem uma tendência que chega à Grande SP.

A quantidade de sequelados também teve crescimento, passando de 336 em 2012 para 402 neste ano.

Para o presidente do Sintracon, Antonio de Sousa Ramalho, a suposta pressa imposta pelas construtoras e incorporadoras na conclusão da obra é o principal motivo do aumento das mortes. “Mudou a maneira como o trabalhador da construção civil recebe. Antes, ele ganhava por hora. Agora, é por produção”, disse.

Segundo ele, desde sempre a construção civil remunera de acordo com a produtividade e, se comparado com o início dos anos 2000 e outras décadas, os acidentes estão em queda.

“Dobramos a quantidade de trabalhadores nos últimos seis anos. Proporcionalmente, há redução drástica nos acidentes. Investimos pesado em segurança. Neste ano foi atípico. Houve um caso onde morreram dez de uma só vez”, afirmou, referindo-se ao desabamento de um prédio em construção em São Mateus, Zona Leste.

Procurada, a Defesa Civil de São Paulo não se pronunciou.

Depoimento Neide Castelhano, costureira e esposa de Everaldo da Silva

Meu marido tem dores horríveis. Não consegue dormir. Aos 43 anos, ele está jogado, sem condições de trabalho. O pesadelo começou no dia 27 de junho deste ano, depois de ele cair do andaime de uma altura de 17 metros, enquanto trabalhava na construção do Templo de Salomão (obra da Igreja Universal do Reino de Deus, no Brás, Centro). Ele ficou em coma 12 dias, internado por um mês, quase teve uma das mãos amputada.

Ele tem amnésia, problemas de raciocínio, mal consegue andar. Toma diversos medicamentos diariamente. Até agora, ele não recebeu seguro nenhum, tampouco aposentadoria por invalidez. Estamos devendo aluguel. Ele não tem plano de saúde. Vivemos do favor dos outros. Temos dificuldade até para colocar comida na mesa. Trabalho como costureira, mas não consigo manter a casa sozinha. A situação é desesperadora.

Guarulhos, 2 de dezembro

Às 19h20 de segunda-feira, vizinhos da obra da Av. Humberto Castello Branco ouviram um barulho. Em poucos segundos, a estrutura do prédio de oito andares ruiu. Bombeiros e Defesa Civil mobilizaram 84 homens e quatro cães nas buscas pelo único operário desaparecido, Edenilson dos Santos. O alojamento dele estava no segundo subsolo, mas até a noite de ontem os bombeiros não tinham conseguido acessá-lo.

São Mateus, 27 de agosto, 10 mortos

Dez pessoas morreram e 26 ficaram feridas após o desabamento das obras de uma loja na altura do número 2.300 da Avenida Mateo Bei, em São Mateus, na Zona Leste. A obra estava em situação irregular e a interdição já havia sido recomendada. Os operários foram atingidos quando trabalhavam na construção do segundo andar, embora o projeto autorizado previsse apenas um pavimento.

Colegas dizem ter sido salvos por um `alarme falso’ de chuva

Um grupo de operários da obra em Guarulhos olhava atônito para o trabalho do Corpo de Bombeiros, ontem. Em um misto de aflição e alívio, os trabalhadores não acreditavam no acidente que pode ter matado um de seus colegas, o vigia e servente de pedreiro Edenilson Jesus Santos, de 24 anos.

“Era por volta das 19h, o céu estava carregado. Ficamos discutindo se íamos embora antes ou depois da chuva que achávamos que ia cair. Decidimos sair antes que ela começasse”, disse o gesseiro Raimundo Juvenal de Lima Vieira, de 47 anos.

Não choveu e, cerca de 20 minutos depois, a construção na Avenida Presidente Humberto Castello Branco veio abaixo. No local, só restou Edenílson, que costumava dormir no trabalho de segunda a quinta-feira.

Revoltado com o desabamento, o azulejista Rodrigo Dutra Carvalho, de 24 anos, descreveu o seu trabalho como de alto risco e afirma que por pouco uma tragédia não aconteceu. “Faz cinco anos que vim da Bahia para tentar a vida por aqui. A partir daí estou nessa luta de trabalho em obras, arriscando minha vida. Domingo chegou a ter 40 pessoas trabalhando ao mesmo tempo. Poderíamos estar todos mortos.”

José Fernando de Moura, 19 anos, afirma que até a tarde de segunda (2) nenhum representante da empresa que o contratou o havia procurado. “Mas não estou preocupado com isso no momento. Só quero que meu companheiro saia de lá vivo”, disse.

Tio de Edenilson, o pedreiro Giudásio Paulo Jesus dos Santos, 49 anos, disse ter certeza de que o sobrinho está sob os escombros. “Ele passava a noite aí. Morava e trabalhava. Só ia embora para passar nos finais de semana na casa da irmã”, disse Giudásio.

Já o irmão da vítima, Edvaldo Jesus Santos, que também trabalha na obra há sete meses, denuncia a falta de equipamentos de segurança para parte dos trabalhadores e a presença de rachaduras no local. “Consertávamos num dia, mas no outro elas (as rachaduras) estavam de volta”, contou.

Entrevista com Fernandes da Silva, 43, Eletricista

Fernandes da Silva trabalhou em três obras neste ano com Edenilson. Ele diz que problemas sérios na estrutura da obra poderiam ser identificados por qualquer pessoa que acompanhasse os trabalhos.

Diário de São Paulo – Você chegou a trabalhar na obra?
Fernandes da Silva – Não. O Ednilson me chamou, mas o salário não me atraiu.

Conhecia a construção por dentro?
Eu vi como eles colocaram as barras de ferro que deveriam sustentá-la. Usaram cavadeira manual ao invés de máquinas próprias. Uma estrutura deste tamanho precisa dessa tecnologia para suportar o peso. Quando vi a notícia na TV, já sabia do que se tratava.

Conhecia de perto o Edenilson?
Sim. Trabalhamos em três outras obras juntos. Era honesto. Soube que estava namorando uma garota daqui de Guarulhos. Não merecia isso.

`Acidente foi catástrofe’, afirma construtora

A construtora Salema Comércio Construções e Projetos Ltda., responsável pela obra, negou por meio do seu advogado Maurício Monteagudo a existência de rachaduras no local, como denunciam amigos e operários. “É uma catástrofe. Mas não podemos emitir nenhum laudo porque ainda não entramos lá”, afirmou. Monteagudo também refutou a hipótese de ausência de equipamentos de segurança. “Uma obra desse tamanho sem fiscalização não existe”, afirmou. O prédio estava regular e possuía alvará na prefeitura de Guarulhos.

Sequelado foi atendido, diz empresa

Em nota, a Construcap CCPS, responsável pela obra do Templo de Salomão, informa “que Everaldo Soares da Silva recebeu imediato e total atendimento médico-hospitalar quando ocorreu o acidente e que o operário estava usando o equipamento de proteção”.

Ganância resulta em tragédias

Alexandre Tomazeli Professor titular de Engenharia Civil do Mackenzie

Existe por parte dos incorporadores uma ganância de investimentos com o objetivo de um retorno rápido e do maior lucro possível. Este maior lucro possível, além da valorização descabível do custo do metro quadrado da construção, também resulta na redução dos custos, o que acaba, infelizmente, em alguns casos, gerando a aquisição de materiais de construção de qualidade duvidosa. Claro que não se pode generalizar. As patologias são de concepção do projeto, seja pela incompetência técnica dos projetistas e a não observação às normas técnicas.

Fonte: Revista Proteção

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *